RJ: Polícia Civil vai investigar se recrutas da PM foram torturados no CFAP
— Vamos chamar os quatro oficiais e os 33 alunos para depor. É importante esclarecer se o que houve foi tortura — afirma o delegado.
O delegado Carlos Augusto registrou o caso de acordo com a Lei de Tortura, artigo 1º, parágrafo II, que fala em “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. A pena é de dois a oito anos de prisão.
A partir das informações publicadas pelo EXTRA, o delegado pretende apurar se o recruta Paulo Aparecido Santos de Lima morreu em decorrência do treinamento no CFAP. Segundo ele, será investigada a denúncia de que “alunos, durante o curso de formação, teriam sofrido castigos com sofrimentos intensos”.
Além de ouvir os recrutas e oficiais, o delegado Carlos Augusto também vai convocar familiares de Paulo Aparecido para depôr. Ele determinou ainda que sejam feitos exames de corpo de delito dos envolvidos, bem como solicitou laudos médicos e outros eventuais documentos que possam auxiliar nas investigações.
O coordenador de Direitos Humanos do MP, procurador Márcio Mothé, fez um pedido formal aos promotores da 29ª Promotoria de Investigação Penal para que todos os passos do Inquérito Policial Militar (IPM) sejam acompanhados. Segundo Mothé, o Código Penal Militar não prevê o crime de tortura e, por isso, a Polícia Civil também deve investigar o caso:
— Os relatos apontam para o crime civil de tortura. É inadmissível que em 2012 um oficial obrigue um praça a ficar sentado no asfalto quente — diz ele.
Segundo o comandante do Cfap, dois IPMs foram instaurados para investigar o que ocorreu na manhã do dia 12. Um deles trata das queimaduras; o outro vai investigar os recrutas que passaram mal por conta de insolação.
Médico: ‘Calor excessivo mata’
A partir de 42 graus de temperatura corporal, começa haver uma destruição celular. Em pouco tempo, a pele, o coração, o sistema neurológico e os rins sofrem alterações. A pessoa entra então em um quadro letárgico, de confusão mental e modificações no comportamento.
De acordo com o presidente do Departamento de Exercício e Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Nabil Ghorayeb, não há uma estimativa de duração do processo acima nem a quantidade de lesões que ele pode gerar. A única certeza é que a hipertemia — termo para o aumento da temperatura do organismo — pode levar a insuficiência renal aguda e, conquentemente, a morte:
— O calor excessivo mata. Nos Estados Unidos, há aproximadamente 70 mortes por ano provocadas por isso.
O médico explica que, se a pessoa estiver praticando exercícios e não se hidratar, o corpo não consegue baixar a temperatura que pegou de fora. Aos poucos, o suor cessa, os batimentos aceleram e o cérebro já não responde. Caso os órgãos sejam colocados em situações extremas, eles podem “não voltar”. Segundo ele, com o agravamento do problema e a falta de hidratação, o corpo sofre um colapso.
De acordo com a Polícia Militar, o estado de Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, não sofreu alterações nesta quarta-feira. Ele permanece no Hospital Central da PM, no Estácio, na Zona Norte do Rio, onde teve a morte cerebral decretada, situação considerada irreversível pelos médicos. Ele está internado na unidade há dez dias.
Crislaine de Souza, de 27 anos, prima do rapaz, reclamou de informações desencontradas que estariam sendo repassadas à família pela equipe do hospital. Segundo ela, o motivo da insatisfação é em relação à doação de órgãos.
— Primeiro, disseram que só poderiam aproveitar as córneas. Nos dois últimos dias, estão afirmando que ele pode doar outros órgãos também. Desse jeito, a gente começa a contestar até mesmo o exame que constatou a morte cerebral — disse ela, acrescentando que a família pretende solucionar a questão ainda nesta quinta-feira.
Paulo Aparecido foi levado para o Hospital Central da PM depois de passar mal durante um treino no Centro Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap), em Sulacap, na Zona Oeste. Ele e outros alunos eram preparados para atuarem em Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Ao todo, 33 alunos passaram mal, sendo que 18 sofreram queimaduras nas nádegas ou nas mãos. Segundo um soldado, Paulo desmaiou por volta de 15h, com sol a pino.
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