Encontro
nacional de praças discute reformas no sistema de segurança pública do país
Entre os dias 17 e 19 de abril
ocorreu o X Encontro Nacional de Entidades Representativas de Praças – Enerp ,
realizado pela Associação Nacional de Praças – Anaspra, na cidade de
Salvador–BA. O encontro reuniu diretores das associações de praças – soldados,
cabos, sargentos e subtenentes das PMs e Bombeiros de todas as regiões do país,
além de acadêmicos, parlamentares e representantes da sociedade civil. Como
tema central do debate, a necessidade de reformulação na estrutura da segurança
pública no Brasil, com foco na desvinculação das Polícias e Bombeiros Militares
das Forças Armadas.
O X Enerp teve
como característica fundamental a discussão de pautas que envolvem todo o
conjunto da sociedade e pensam a segurança pública como um todo, para além das
reivindicações classistas. Além dos debates sobre a necessidade de um piso
nacional para os policiais, da carreira única nas instituições e a criação de
uma nova Lei de Organização Básica para as polícias e corpos de bombeiros
militares, os praças discutiram com parlamentares e representantes da sociedade
civil a formulação de políticas públicas para o setor. O presidente da Anaspra,
Soldado P. Queiroz defendeu que a categoria precisa se abrir para o debate com
o conjunto da sociedade, buscando apoio para as pautas mais abrangentes; ‘’Se
nos fecharmos dentro dos quartéis jamais conseguiremos avanços significativos.
Precisamos buscar apoio na sociedade, porque é para ela que trabalhamos. Não
podemos nos isolar dos demais trabalhadores’’, afirmou.
Oficial
defende a desmilitarização
Na noite de
abertura, o Tenente-Coronel Carlos Furtado, da PM do Maranhão apresentou artigo
sobre a desmilitarização. Furtado apresentou o contexto histórico da
militarização das polícias no país, a vinculação dessas forças com o
coronelismo dos tempos do império e posteriormente com a ditadura militar:
“Somos fruto primeiro de uma herança coronelista, dos grandes fazendeiros que
usavam a polícia para seu benefício próprio, e depois dos generais da ditadura,
que também usaram as PMs para fazer política de repressão”. O oficial defendeu
a desvinculação das Forças Armadas, argumentando que “não tem sentido um
serviço de natureza civil, como a segurança pública, ser executado por
instituições com estrutura militar”.
Na manhã do
dia 18, o palestrante Ricardo Brisolla Balestreri, ex-secretário nacional de
segurança pública debateu o ciclo completo de polícia. Balestreri iniciou a
palestra afirmando que “nenhuma meia polícia vai ajudar a população. É preciso
uma polícia com ciclo completo”. Ele ainda atacou o excesso de valorização do
curso de Direito nas polícias; “Eu não consigo compreender o motivo desse
bacharelismo na Polícia. Pra que serve o título de bacharel em Direito para a
segurança pública?”, questiona.
Ao
lembrar das disputas durante a 1ª Conferencia Nacional de Segurança Pública –
Conseg, entre os trabalhadores da base e as cúpulas das Polícias, o
ex-secretário elogiou a disposição das lideranças dos praças. “Vocês são
lutadores de transformação social que lutam contra forças poderosas e
praticamente sem nenhum apoio”.
Ex-secretário
nacional de segurança pública foi ameaçado por integrantes da cúpula
Balestreri
relatou que sofreu ameaças na véspera da Conseg por tentar colocar em prática
um projeto de reformulação da segurança pública que mexia com interesses
corporativistas das cúpulas da polícia brasileira; “Estava sendo ameaçado. Tive
que aumentar minha segurança pessoal. E tudo por conta das minhas propostas de
reforma no sistema de segurança pública desse país. E o que mais me entristece
é que não fui ameaçado por bandidos. Fui ameaçado por policiais que comandam a
Polícia desse país”.
O palestrante
ainda criticou a estrutura militar das PMs e Bombeiros, e defendeu que é
preciso desmistificar a desmilitarização: “A desmilitarização não vai acabar
nem com a farda, nem com a hierarquia. Ela mantém a estética militar, mas
reforma sua estrutura”, argumentou. O ex-secretário também elogiou algumas iniciativas
progressistas, como a substituição do regulamento disciplinar por código de
ética em Minas Gerais e no Amapá, e o projeto de carreira única no Rio de
Janeiro. Ao comentar sobre as dificuldades encontradas durante sua gestão para
por em prática reformas significativas na segurança pública do país, Balestreri
relatou a pressão de grupos poderosos para manter a atual estrutura: “As elites
desse país desejam uma Polícia forte pra baixo e fraca pra cima. Temos uma PM
fraca que foi criada para conter a população. E temos uma Polícia Civil também
fraca que mais parece um cartório de registros, que não investiga, apenas
registra. Só investiga casos vitrine, com repercussão na mídia”, afirmou.
Também
debatendo o ciclo completo e outras iniciativas de reforma, como a unificação e
a integração das polícias, participou da mesa o ex-secretário de defesa social
de Minas Gerais Luiz Flavio Sapori, que se mostrou cético com a possibilidade
de trabalho integrado entre as polícias no atual modelo; “Minas Gerais fez o maior
e mais audacioso projeto de integração desse país. Hoje, passados dez anos, as
polícias continuam brigando entre si. Não acredito mais na integração”. Doutor
em Sociologia, Sapori comentou sobre os números da violência nos últimos dez
anos, e a relação do aumento dos crimes contra a vida e contra o patrimônio com
a melhora na economia do país; “Não há mais sustentação sociológica para dizer
que a violência no Brasil é um problema sócio-econômico. Os indicadores sociais
estão aí para provar justamente o contrário: o país cresceu economicamente na
mesma medida em que cresceram os números de homicídios e roubos e o tráfico de
drogas”.
O sociólogo
também defendeu a desvinculação das PMs do Exército e a criação de uma polícia
unificada e menos burocratizada: “Precisamos unificar as polícias e acabar com
o inquérito policial. O inquérito é um procedimento inútil, pois é repetido em
outras fases do processo penal”, afirmou. Tanto Sapori quanto Balestreri
defenderam a retirada das atribuições de segurança pública das Forças Armadas,
como já vem ocorrendo nos grandes eventos. “É um perigo das atribuições de
natureza civil aos militares. Logo o Exército pode ficar tentado a ‘salvar’ o
país, como fez em 1964”, argumentou Balestreri.
LOB das PMs
e Bombeiros
O período da
tarde do dia 18 foi dedicado aos debates em torno da Lei de Organização Básica
das Polícias e Bombeiros Militares, mais especificamente em torno do projeto
que já tramita no Congresso Nacional. Na mesa, sob a moderação do Sd Elisandro
Lotin de Souza, presidente da Aprasc e diretor da Anaspra para a região sul, os
parlamentares praças, Sargento Amauri Soares, Deputado Estadual de Santa
Catarina, e Sargento Manoel Aragão, Deputado Estadual do Tocantins, além do
convidado do dia, o Deputado Federal Mendonça Prado, aliado dos praças na
Câmara, debateram acerca do projeto de lei que institui a Lei de
Organização Básica dos Militares estaduais e que tem por finalidade modificar e
por conseguinte revogar o Decreto 667/69, o qual regulamenta as atividades da
Policia e do Bombeiro Militar. Mendonça
Prado discursou sobre questões de interesse da categoria que tem seu apoio no
Congresso, como o financiamento do Governo Federal para a Segurança Pública, a
criação de um fundo nacional para o setor, a exemplo do que já ocorre com a
Educação, além da anistia ampla, geral e irrestrita para os policiais e
bombeiros punidos por participação em movimentos reivindicatórios. “A atual
presidente da República assaltou bancos, seqüestrou embaixador, participou de
movimentos para a derrubada de uma ditadura e agora defende a punição para
vocês, que também vivem sob verdadeiros regimes de exceção nos quartéis”,
comentou. Sobre a LOB, o congressista afirmou que é preciso aproveitar a
oportunidade para modificar a estrutura das instituições: “É preciso modernizar
e democratizar as PMs”, disse.
O Deputado
Sargento Soares afirmou que para que ocorram transformações significativas na
estrutura da segurança pública é preciso que a realidade sócio-econômica do
país também seja transformada. “Um país onde 5% da população detém o poder
econômico e 95% trabalha e não manda nada não pode ser uma democracia. E não
pode ter uma polícia democrática”. O Deputado Sargento Aragão defendeu a
regulamentação de uma parcela mínima de investimento na segurança pública, que
obrigue os governantes a destinar porcentagem da receita para o setor. “ Hoje o
presidente, os governadores e prefeitos investem como e quanto querem na
segurança pública, e investem cada vez menos, e geralmente aplicam muito mal
esse dinheiro”, argumentou.
27 coronéis
querem mandar na segurança pública do país
Os três
parlamentares e os representantes de entidades lamentaram a falta de diálogo
por parte do Conselho Nacional de Comandantes Gerais – CNCG, que enviou projeto
de LOB ao Congresso sem discutir com os praças. Além da tentativa arrogante de
criar uma proposta de lei para a segurança pública ignorando mais de 500 mil
policiais e bombeiros militares representados pela Anaspra, o CNCG conseguiu a
façanha de produzir um projeto que representa um retrocesso para as já
ultrapassadas instituições militares estaduais. Os diretores da Anaspra – todos
legítimos representantes das associações e escolhidos pelo voto dos policiais e
bombeiros, diferentemente dos integrantes do CNCG que são indicados pelos
governadores -, com o apoio dos palestrantes e participantes do encontro,
redigiram uma proposta de LOB que vai ser encaminhada nos próximos dias ao
Congresso.
Para o
presidente da Aprasc, soldado Elisandro Lotin de Souza, é lamentável que o
projeto da LOB não tenha sido discutido com os praças, pois o presidente do
CNCG , até bem pouco tempo era o atual Cmt da PMSC e presidente da
Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, FENEME, também
é deste Estado, - o que demonstra uma nova postura por parte dos oficiais de
SC, de total falta de diálogo com os praças. "Temos percebido tal postura
por parte dos oficiais desde que passamos a discutir a questão salarial, ou
seja, eles fizeram os seus projetos ou propostas e sequer nos informaram ou
convidaram para o debate. O fato de discutirem isoladamente a questão da
LOB é só mais uma comprovação de que infelizmente ainda vigora em grupos da
cúpula da PM e do Bombeiro uma política divisionista", disse.
Praças
debatem segurança pública com representantes da sociedade civil
Almir
Laureano, vice-presidente do Conselho Nacional de Segurança Pública –Conasp,
Rildo Marques, representante do Movimento Nacional dos Direitos Humanos –MNDH,
e Marcos Fábio Rezende, do Coletivo Negro da Bahia conversaram com os policiais
e bombeiros sobre o tema “sociedade civil e desmilitarização”. Ao comentar as
perseguições das cúpulas militares contra os praças e a necessidade de
democratização das instituições e reformas nos regulamentos, Rildo Marques
afirmou que “se tirar do ser humano a capacidade de pensar e de se expressar
ele é transformado num objeto, numa coisa”. O vice-presidente do Conasp, Almir
Laureano parabenizou a Anaspra pela temática mais abrangente e menos classista
do Enerp, e comemorou a abertura dos praças para o debate com outros setores:
“Praças, policiais militares juntos com movimentos sociais, acadêmicos e outros
trabalhadores antes parecia algo inacreditável, mas hoje nós estamos
transformando isso em realidade”.
O vereador por
Salvador Soldado Marco Prisco, atual presidente da Associação dos Praças da
Bahia –Aspra, defendeu a necessidade de um trabalho de conscientização nos
quartéis: “O dia em que os praças entenderem que os manifestantes, estudantes,
sem-terra e demais trabalhadores do campo e da cidade são nossos irmãos e todos
nós estamos do mesmo lado, as elites desse país vão tremer”. Marcos Rezende, do
Coletivo Negro, comentou sobre a divisão racial na PM da Bahia. “Mesmo em um
estado com maioria absoluta de negros, os postos de oficiais na PM baiana são
ocupados majoritariamente por brancos, enquanto os praças são quase todos
negros”, informou. Sobre a necessidade de união dos praças com os setores
populares da sociedade civil, Rezende foi enfático: “Praça é povo, e povo é
praça”.
O Subtenente
Gonzaga, diretor da Aspra de Minas Gerais, defendeu a desmilitarização das PMs
e Bombeiros como um requisito básico para a aproximação das instituições com a
sociedade e para uma transição democrática efetiva no país. “Na ditadura, a
polícia trabalha para defender o Estado, e na democracia a polícia tem que
trabalhar para defender o cidadão”, afirmou.
Líderes dos
praças são enquadrados na Lei de Segurança Nacional
Marco Prisco,
líder e fundador da Aspra–Bahia, foi denunciado pelo Ministério Público Federal
por supostamente ter infringido a Lei de Segurança Nacional – Lei n° 7.170/83
durante os episódios da greve da PM baiana em fevereiro de 2012. Além de
Prisco, o Cabo Jeoás Nascimento dos Santos, diretor da Anaspra e líder dos
praças do Rio Grande do Norte, também foi denunciado pelas mesmas acusações. Jeoás
foi até a Bahia para intermediar o diálogo com o governo baiano e auxiliar na
busca de uma solução para o conflito. Além deles, outros cinco praças foram
denunciados pelo MPF no dia 17 de abril, coincidentemente a data que marcou a
abertura do Enerp. Os palestrantes, convidados e todos os representantes dos
praças repudiaram a atitude do MPF, que com esse episódio põe em dúvida a sua
independência dos demais poderes.
Mais do que
uma demonstração de subordinação aos interesses escusos de governantes que
desejam silenciar os praças, a sucursal baiana do Ministério Público Federal dá
um passo para trás na história do país ao utilizar um instrumento jurídico
criado na ditadura militar para oprimir aqueles que lutavam pelas liberdades
democráticas.
Encerrando o
encontro, os diretores da Anaspra reafirmaram a disposição de seguir a luta por
melhores salários e condições dignas de trabalho, e também de continuar com a
postura autônoma da entidade, que vai continuar tentando o diálogo com todas as
autoridades, mas sem jamais deixar de expressar os sentimentos mais legítimos
dos policiais e bombeiros militares de todo o país. Os representantes também
manifestaram o repúdio a qualquer forma de intimidação por parte de autoridades
e governos de todas as esferas, e afirmaram mais uma vez que “a voz dos praças
ninguém cala!”
Como resultado
dos debates no Enerp, a direção da Anaspra elencou os seguintes pontos de pauta
como prioritários para os trabalhos da entidade:
Desvinculação
das polícias e bombeiros militares das Forças Armadas;
Carreira única
nas instituições militares estaduais;
Participação
dos praças na discussão de todas as políticas púbicas voltadas para a Segurança
Pública em todos os níveis;
Participação
mais efetiva do Governo Federal na construção de um piso nacional de salários
para a categoria;
Fim das
Justiças Militares Estaduais;
Revogação dos
regulamentos disciplinares e substituição por um código de ética nacional para
os policiais;
* Representaram SC no encontro os Soldados Elisandro Lotin de
Souza e Everson Henning, presidente e coordenador de imprensa da Aprasc,
respectivamente, e o Deputado Estadual Sargento Amauri Soares.
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