
O
delegado titular da 33ª DP (Realengo), Carlos Augusto Nogueira Pinto,
abriu um inquérito para investigar se houve tortura durante o
treinamento da manhã do último dia 12 no Centro de Formação e
Aprimoramento de Praças (Cfap) da PM. Na ocasião, 33 alunos precisaram
de atendimento médico com pressão baixa, queimaduras nas mãos e nádegas e
insolação. O recruta Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, foi
internado após o treinamento e teve morte cerebral diagnosticada na
segunda-feira. O Ministério Público estadual vai acompanhar as
investigações.
— Vamos chamar os quatro oficiais e os 33 alunos para depor. É
importante esclarecer se o que houve foi tortura — afirma o delegado.
O delegado Carlos Augusto registrou o caso de acordo com a Lei de
Tortura, artigo 1º, parágrafo II, que fala em “submeter alguém, sob sua
guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo”. A pena é de dois a oito anos
de prisão.
A partir das informações publicadas pelo EXTRA, o delegado pretende
apurar se o recruta Paulo Aparecido Santos de Lima morreu em decorrência
do treinamento no CFAP. Segundo ele, será investigada a denúncia de que
“alunos, durante o curso de formação, teriam sofrido castigos com
sofrimentos intensos”.
Além de ouvir os recrutas e oficiais, o delegado Carlos Augusto
também vai convocar familiares de Paulo Aparecido para depôr. Ele
determinou ainda que sejam feitos exames de corpo de delito dos
envolvidos, bem como solicitou laudos médicos e outros eventuais
documentos que possam auxiliar nas investigações.
O coordenador de Direitos Humanos do MP, procurador Márcio Mothé, fez
um pedido formal aos promotores da 29ª Promotoria de Investigação Penal
para que todos os passos do Inquérito Policial Militar (IPM) sejam
acompanhados. Segundo Mothé, o Código Penal Militar não prevê o crime de
tortura e, por isso, a Polícia Civil também deve investigar o caso:
— Os relatos apontam para o crime civil de tortura. É inadmissível
que em 2012 um oficial obrigue um praça a ficar sentado no asfalto
quente — diz ele.
Segundo o comandante do Cfap, dois IPMs foram instaurados para
investigar o que ocorreu na manhã do dia 12. Um deles trata das
queimaduras; o outro vai investigar os recrutas que passaram mal por
conta de insolação.
Médico: ‘Calor excessivo mata’
A partir de 42 graus de temperatura corporal, começa haver uma
destruição celular. Em pouco tempo, a pele, o coração, o sistema
neurológico e os rins sofrem alterações. A pessoa entra então em um
quadro letárgico, de confusão mental e modificações no comportamento.
De acordo com o presidente do Departamento de Exercício e Esporte da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, Nabil Ghorayeb, não há uma
estimativa de duração do processo acima nem a quantidade de lesões que
ele pode gerar. A única certeza é que a hipertemia — termo para o
aumento da temperatura do organismo — pode levar a insuficiência renal
aguda e, conquentemente, a morte:
— O calor excessivo mata. Nos Estados Unidos, há aproximadamente 70 mortes por ano provocadas por isso.
O médico explica que, se a pessoa estiver praticando exercícios e não
se hidratar, o corpo não consegue baixar a temperatura que pegou de
fora. Aos poucos, o suor cessa, os batimentos aceleram e o cérebro já
não responde. Caso os órgãos sejam colocados em situações extremas,
eles podem “não voltar”. Segundo ele, com o agravamento do problema e a
falta de hidratação, o corpo sofre um colapso.
Recruta continua em hospital da PM
De acordo com a Polícia Militar, o estado de Paulo Aparecido Santos de
Lima, de 27 anos, não sofreu alterações nesta quarta-feira. Ele
permanece no Hospital Central da PM, no Estácio, na Zona Norte do Rio,
onde teve a morte cerebral decretada, situação considerada irreversível
pelos médicos. Ele está internado na unidade há dez dias.
Crislaine de Souza, de 27 anos, prima do rapaz, reclamou de
informações desencontradas que estariam sendo repassadas à família pela
equipe do hospital. Segundo ela, o motivo da insatisfação é em relação
à doação de órgãos.
— Primeiro, disseram que só poderiam aproveitar as córneas. Nos dois
últimos dias, estão afirmando que ele pode doar outros órgãos também.
Desse jeito, a gente começa a contestar até mesmo o exame que constatou
a morte cerebral — disse ela, acrescentando que a família pretende
solucionar a questão ainda nesta quinta-feira.
Paulo Aparecido foi levado para o Hospital Central da PM depois de
passar mal durante um treino no Centro Formação e Aperfeiçoamento de
Praças (Cfap), em Sulacap, na Zona Oeste. Ele e outros alunos eram
preparados para atuarem em Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Ao todo, 33 alunos passaram mal, sendo que 18 sofreram queimaduras nas
nádegas ou nas mãos. Segundo um soldado, Paulo desmaiou por volta de
15h, com sol a pino.